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Devemos extinguir o departamento de Sustentabilidade?


Há cerca de 7 anos iniciou-se uma discussão, disseminada inicialmente por profissionais de grandes empresas, de que departamentos específicos de Sustentabilidade não são necessários já que “todos os colaboradores devem ser responsáveis pelo tema”. Este discurso, disseminado inclusive por empresas de referência no tema e profissionais da área, parece muito bonito e pertinente, no entanto, na prática não é nada factível e eu vou te dizer porque.

Considerando que Sustentabilidade vai muito além da atuação Ambiental ou de Responsabilidade Social de uma instituição, mas passa não apenas por aspectos legais, mas pela relação com os diversos stakeholders, pela geração de valor compartilhado e pela sustentabilidade do negócio, hoje dentro das organizações, existem duas questões básicas que impedem que a extinção do departamento seja colocado em prática:

1. Os profissionais de outras áreas, infelizmente não tem o conhecimento básico de Sustentabilidade necessário para desenvolver o tema estrategicamente dentro das organizações. Nem no ensino básico, nem no médio ou no universitário Sustentabilidade é tratada com a profundidade necessária, a não ser em cursos de formação específicos. Como então todos estes colaboradores irão desenvolver o tema? Por outro lado, hoje tem sido uma prática comum a instituição dar um “chapéu de sustentabilidade” (com o perdão do trocadilho) a determinados colaboradores. Isso faz com que este indivíduo acumule uma função dedicando, portanto, pouco tempo para o desenvolvimento de atividades relacionadas ao tema, já que raramente consegue inserir sustentabilidade totalmente dentro da sua função original (até porque os processos internos, o ambiente e cultura corporativa muitas vezes o impedem de fazê-lo). Além disso, em muitos destes casos a pessoa é apenas uma apaixonada pelo tema, e não tem formação na área. Seja um funcionário da área de Compras, de uma unidade de Negócio, Comercial, RH, ou de Comunicação, não importa, se não houver uma capacitação efetiva e a oportunidade de inserção do tema de fato na sua área, este modelo está fadado ao fracasso.

2. As empresas não tem o tema maduro o suficiente, ou seja, uma sustentabilidade que permeie efetivamente todas as áreas, onde todos estejam capacitados para desenvolvê-la em suas respectivas funções e onde seja possível que apenas a alta liderança aponte o caminho, descartando, portanto, a necessidade de um departamento específico. Mesmo porque voltamos ao problema 1, este líder muitas vezes não tem o conhecimento necessário para que isso seja realizado com excelência. E isso não é demérito de nenhuma liderança, apenas me refiro ao fato de que cada profissional tem seus conhecimentos, aptidões e experiências específicas e complementares aos demais membros da sua equipe.

Neste sentido, como você já deve ter notado, Sustentabilidade padece do mal dos técnicos de futebol. Todo mundo acha que sabe fazer, ou que em contato com alguns vídeos, artigos, livros sobre o tema vai ter todo o conhecimento necessário para desempenhar muito bem a função, obrigada. “É só colocar algumas lixeiras de coleta seletiva aqui, um adesivo para não gastar água no banheiro lá, mais um treinamentozinho e tá tudo certo!” Não. Sustentabilidade abrange questões multifacetadas incluindo aspectos socioculturais, econômicos, ambientais, envolve comportamento, sistemas complexos, estratégias de negócio, previsões matemáticas, inovação, biologia, educação, uso de tecnologias, direito, entre muitas outras, além da relação entre cada uma delas. É claro que mesmo um excelente profissional da área não conhecerá tudo dentro de cada um destes temas, mas precisa entender minimamente a relação entre eles e a influência de cada um no todo, além de manter o olhar atualizado, atento, afiado pela experiência, para desempenhar bem a função.

Falar que “todo mundo é responsável por sustentabilidade” me soa como dizerem que “todo mundo é responsável por TI”. Quando ouço este discurso, me vem à cabeça alguém dizendo: “Então, todo mundo não trabalha usando o computador? Você também não usa? Então à partir de agora todo mundo vai cuidar de TI!” Mas espera aí. Eu só uso o computador, eu não sei tecnicamente como fazer sua manutenção, qual é o software mais eficiente e que nos dará maior produtividade, qual é a estratégia macro da companhia para o uso da Tecnologia da Informação,...

Isso absolutamente não significa que profissionais de Sustentabilidade precisam ter uma única formação padrão, pelo contrário, precisamos desta diversidade de advogados, engenheiros, educadores, pscicólogos, etc, justamente por envolverem questões tão complexas que só estamos começando a compreender. O que estou dizendo é que precisamos que este profissional seja capacitado, tenha o conhecimento necessário para atuar adequadamente e saiba exatamente como as suas competências contribuem para o desenvolvimento sustentável e para a geração de valor compartilhado.

Devido à esta falta de maturidade das organizações em relação ao tema, e da pouca ou nenhuma capacitação existente dentro das companhias, ainda precisamos sim de um “departamento”, de uma equipe de profissionais que lidere o caminho, estabeleça as estratégias junto com a alta liderança - alinhadas à visão e ao propósito da organização - e que traga valor real para o negócio e para a sociedade. Até lá, vamos atuar no sentido de que cada empresa tenha os processos, o ambiente e a cultura propícios para que a verdadeira Sustentabilidade esteja devidamente inserida em todas as suas funções e atividades, tornando-se então tão natural e internalizada que será desnecessária uma liderança específica.

Juliana Zellauy Feres


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